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Tudo, menos um livro novo - Microcontos do Ninoverso #3
Assunto: RE: Que tal começarmos uma tradição?
De: Micael Clemente <[email protected]>
Para: Augusto B. Jeong <[email protected]>
Meu estimado, querido, amado e apreciado, Augusto
Tive que pesquisar se estimado era realmente algo positivo. Não ria.
Achei engraçada essa proposta de mandar e-mails logo depois de lermos "É assim que se perde a guerra do tempo”. Será que vai virar um hábito quando o WhatsApp é simplesmente mais eficiente?
Mas aceito o desafio de reviver o romantismo em tempos de vem de zap com cartas enviadas por… correio eletrônico. Esse tipo de ideia combina muito com você ksksksksks (perdão, não vou manter esse tom formal que não permite que eu faça uma piada por segundo
E já que a ideia é concentrar apenas assuntos profundos ou que podem esperar uma resposta mais demorada por aqui, uma coisa me passou na cabeça um dia desses e não sabia se valia a pena mencionar, mas veja só: Catarina.
Não a minha tia Catalina nem a tia Katarine. Catarina, minha quase noiva naquela quadrilha de festa junina, lembra?
Você sabe que tenho essa mania de lembrar de pessoas do meu passado com frequência, como a Mariana da pré-escola ou o Júlio que foi meu melhor amigo por um ano quando mudei de escola e no ano seguinte mudei outra vez.
Mas Catarina não faz parte de um passado tão remoto. A gente se conhecia. Participamos de alguns cursos no CCCC juntos. Ela era bem quieta. Quase como se estivesse só assistindo aos outros viverem. Fiquei surpreso quando soube que seria a noiva da quadrilha, mas a vovó disse que foi o pai quem decidiu — alguma bizarrice sobre ela "achar um noivo de verdade" nessa encenação. Nojento é mais preciso.
Voltando: por mais que a conhecesse daqueles momentos no CCCC, nunca soube muito sobre ela. Só o básico sobre a família: ricos, com contatos políticos, esse tipo de coisa. Também acredito que ela curtisse artes, porque era o que estudávamos lá, e sei que ela tinha um sorriso lindo. E é tudo o que guardo na memória a respeito da noiva foragida.
Pensei nela outro dia. Como ela sumiu da quadrilha que nos uniu. Lembra quando a Maria perguntou se isso era plano seu? (risos)
Quis verificar se eu conseguiria encontrá-la na internet, mas ainda hoje não tem nada, como não tinha na semana que ela fugiu.
Perguntei se alguém na família sabia de algo. Ernesto disse que virou lenda, que lá em Campos Claros dizem que ela fez isso pra se libertar. Mas do quê? Ela não parecia mal. Mas acho que ninguém que está na pior demonstra isso, né?
No fim, esse sumiço se tornou algo meio mágico e meio trágico. A ideia de fugir de uma quadrilha como quem foge de um casamento real. Parece o tipo de coisa que aconteceria nos livros que amamos ler.
O que me leva a concluir: a gente sempre se acha protagonista quando está vivendo, mas será que não somos apenas um capítulo do passado dos outros? Será que não era ela a protagonista o tempo todo? Qual será a história que ela está vivendo tão intensamente quanto vivemos a nossa? Acho que eu gostaria de descobrir, apenas pela curiosidade que você sabe que me preenche, hehe.
Fico no aguardo do seu próximo devaneio.
Sempre sue,
Mica.
P.S.: Definitivamente desejos a estrelas são um mito.
Não sei vocês, mas eu particularmente também me pergunto às vezes onde personagens que são citados vez ou outra nas histórias vão parar. E pra essas perguntas, o futuro pode ter respostas.
Esse é só um dos e-mails que pode aparecer entre os contos hehe. O que acharam?
Ah, esse mês tem mais um microconto, tá?
Até a próxima newsletter